Crónica, crítica de discos e filmes, futebol e observação de jogadores e portfolio de trabalho pessoal
Última actualização
15/05/2015
Além das óbvias ofensas pessoais a Cristiano Ronaldo, sobra a afronta indirecta ao futebol português. Como disse Jorge Jesus (e bem), nem em tom de brincadeira aquilo que se passou seria admissível. São episódios como estes que distanciam o orbe do futebol do imenso séquito que tem. Os verdadeiros adeptos do futebol não podem rever-se nas cúpulas da modalidade quando elas demonstram esta ligeireza de consciência. Talvez a atitude de Blatter tenha sido impensada, mas o improviso deixou a nu a forma como o presidente da FIFA concebe o futebol e interpreta as contingências da sua própria função. O púlpito da FIFA não é palco para gracejos e, menos ainda, para considerações de carácter.
Independentemente da gravidade da atitude de Blatter e do repúdio absoluto que ela merece, também não me parece correcto usar este episódio para dar cobertura a uma tese mais ou menos generalizada de favorecimento de Messi. Reconheço que Cristiano Ronaldo é um grandíssimo jogador de futebol, um portento físico-técnico como poucos terão havido na história do futebol. Os seus registos são impressionantes e inatacáveis. Mas, em abono da verdade, qualquer apreciador independente do futebol aceitará a evidência de que Messi é melhor jogador. Onde Cristiano é potência, velocidade, constância, determinação, Messi é magia, improviso e elegância. São ambos geniais, são ambos extraterrestres, mas há que convir, com toda a imparcialidade, que Messi é melhor. E há que aceitar isso com naturalidade e bom perder. Cristiano Ronaldo é também um dos melhores jogadores de sempre de toda a história e tem lugar nos anais do futebol, isso é indiscutível. Apenas teve o azar de fazer-se jogador numa geração em que há um astro ainda melhor. Admitir isto não é ser anti-patriota, nem é não respeitar o que CR7 representa (e é muito). Admitir isto é assumir um facto que não pode lesar ninguém.
A opinião é um direito universal não impugnável e, como qualquer outra pessoa, o presidente da FIFA tem direito a ela, sobre qualquer assunto, e também sobre o hiperbolizado debate do melhor jogador do mundo. Em todo o caso, a sua posição institucional aconselharia a mais recatada prudência ao tornar públicas opiniões sobre o fenónemo futebolístico, para não colocar em causa princípios de equidistância e imparcialidade. É essa a responsabilidade tutelar a que deveria estar obrigado. No recente episódio de Oxford, Blatter esqueceu esse dever, é um facto. Mas foi ainda mais longe. Não apenas teve topete para declarar abertamente a sua preferência (legítima quando guardada no recato da sua vida pessoal) sobre Lionel Messi, como se referiu a Cristiano Ronaldo em termos e pantomimas impróprios de alguém com a sua responsabilidade. Referir-se a CR7 como "o outro" e tecer considerações várias sobre a vida extra-futebol do craque português, comparando-o depreciativamente com Messi é inqualificável.
Sublinho que não está em questão a preferência pessoal por Messi. É uma apreciação necessariamente subjectiva e válida. Mas extrapolar essa avaliação para domínios que nada têm que ver com o desempenho desportivo é uma imbecilidade que um pedido de desculpas não apaga.
O episódio Blatter: a degeneração institucional da FIFA
Outubro 30, 2013