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POSTO DE ESCUTA A Swallow in the Sun

Quando o êxito tocou os Eels, já Mark Oliver Everett (o sr . "E") era experimentado nas lides musicais a solo, sobretudo em razão de um par de edições razoavelmente bem aceites e que acabaram por constituir o embrião original do que viria a ser uma das mais veneradas (e ubíquas) trupes da música americana, a ponto de cada edição discográfica ser um acontecimento de proporções relevantes. Com a voz chamuscada de E., os conteúdos líricos suficientemente assombrados para encher páginas de qualquer tese de psiquiatria ou até a invulgaridade da mescla sonora que professavam, os Eels reuniam todos os condimentos para se tornarem um quase imediato objecto de culto do rock alternativo. E assim aconteceu, com a crescente massa de seguidores a ver-se recorrentemente surpreendida com cada tomo forjado por E. e seus pares no estúdio de gravações, tornando virtualmente impossível arrumar-lhes a proposta musical num estilo estanque. Eles até deram uma ajuda, por altura do segundo álbum, em 1998, sugerindo no título uma bizarra classificação: electro-shock blues. Na falta de melhor, o universo de sons do grupo tinha sentido sob essa designação, ou não fossem os blues um fio condutor que se tornou transversal à discografia (veja-se em quantos títulos de canções eles utilizam a palavra "blues") e aceitava contaminações oriundas de outras famílias de som, com inventividade nas secções rítmicas e um indisfarçável apreço por apontamentos excêntricos em cima da medula acústica quase sempre presente. Nada de muito convencional, portanto.

 

A um par de anos de completar vinte de edições discográficas, a música dos Eels é um produto em estado maduro da sua evolução e, ainda assim, retém o pulsar emergente do começo. A deriva de Mark Oliver Everett pelos seus demónios mentais e facturas emocionais por pagar é um processo efervescente, dinâmico e indomável e, por isso mesmo, assume inúmeras caras, embalos e ritmos. Do espampanante ao despojado, cabe tudo. Até um disco de baladas. Elas que sempre mereceram espaço na discografia do grupo, como uma variável estrutural indispensável à identidade musical de E., têm aqui tempo de antena por inteiro, sem a máscara da extravagância. E quando um escritor de canções tão versátil deixa de lado os artifícios que, afinal, são parte importante do seu cardápio, expondo-se indefeso ao escrutínio de tantos que se habituaram a senti-lo atrás desses caprichos de produção (ou até da acidez de certos momentos), é como se de uma prova de autenticidade se tratasse: as minhas canções são isto, depois ponho-lhes aquilo. E isto, o que vem em The Cautionary Tales of Mark Oliver Everett, é pessoal e é bom, repescando os sabores conhecidos do som acústico com arranjos de cordas (muitas vezes presentes na discografia dos Eels) e desviando-se da rota adivinhada no eléctrico Wonderful, Glorious, do ano transacto. Não havendo nada de substancialmente novo nesta linguagem musical amadurecida pelo tempo, sobra o conforto da visita a um lugar conhecido. Mesmo quando as luzes garridas cedem lugar ás sombras.  

Maio 6, 2014

Eels The Cautionary Tales of Mark Oliver Everett

E Works, 2014

 

 

7,8

 

Crítica Filho da Mãe - Cabeça
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