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Por uma questão de princípio, sempre torci o nariz à utilização de jogadores naturalizados nas selecções nacionais. Não se trata de ser um patrioteiro bacoco, mas sobretudo de ter presente a definição estrutural que defendo no enquadramento do que deve ser uma selecção nacional. Além da inevitável visão de circunstância, presa às necessidades pontuais de cada momento, entendo que uma selecção nacional deve ser pensada com horizontes temporais largos e alicerçada em lógicas de renovação que permitam manter qualidade ao longo do tempo, ao invés de sucessos passageiros. E ter esta concepção de gestão de uma selecção nacional não é compaginável com a utilização de jogadores naturalizados que, a despeito de adquirirem os direitos legais de cidadania e, por isso, se tornarem elegíveis para jogar, acabam por tapar alguns dos lugares desse processo de renovação. Convém lembrar que um jogador naturalizado não estará em condições de estrear pela selecção do país acolhedor antes dos 25/26 anos (à luz da legislação sobre nacionalidade). Ao chegar ao espaço dos convocáveis, com essa idade, um futebolista naturalizado estará, no limite, a fechar a vaga aos jovens emergentes (na faixa 19-25) e atrasa a renovação que se imporia normalmente, caso não houvesse a alternativa de recurso aos naturalizados. Em simultâneo, a convocação de naturalizados quase sempre é uma solução de emergência, no intuito de suprir lacunas de momento. Ora, gerir uma selecção nacional nestas premissas conjunturais não é bom caminho. Pode resultar no momento, é verdade, mas dificilmente alumiará rotas de um futuro consolidado, bem preparado e sustentado para o êxito. Abordar um problema estrutural num prisma de momento é iludir em vez de resolver.

 

Imaginemos que Diego Costa tinha nacionalidade portuguesa e, ao invés de jogar pela selecção espanhola, poderia jogar por Portugal. Seria certamente convocado e prefiguraria uma solução imediata para uma posição historicamente deficitária no futebol português. Mas seria isso um contributo para, em momento futuros, não ressurgir o mesmíssimo problema? Ou camuflaria temporariamente a lacuna, fintando a urgência de encontrar uma solução que melhor defendesse os interesses vindouros da selecção?

 

Não está em causa a aquisição plena de direitos de cidadania por futebolistas naturalizados. Legalmente, são tão portugueses quanto os outros e devem ser tratados como tal. A minha única reserva prende-se com a defesa de um modelo estrutural, pensado para preparar o sucesso continuado, por oposição à busca de soluções de conjuntura.

 

Todavia, o caso Fernando suscita também considerações de outro nível. A quem interessou apurar junto da FIFA a possibilidade de o jogador do F.C. Porto jogar por Portugal quando resultava claro dos regulamentos que o não podia fazer? A quem aproveitou o arrastamento desta expectativa, sabendo-se que Fernando havia representado o Brasil em jogos oficiais, sem ter dupla nacionalidade, e, em razão disso, jamais poderia representar outro país? Os únicos casos, no orbe futebolístico, em que um jogador representa mais do que um país acontecem apenas em duas circunstâncias:

 

- ou o jogador já tinha dupla nacionalidade quando representou uma determinada selecção nos escalões mais jovens e pode, noutro momento e em escalão diferente, optar por outra nacionalidade de que seja titular;

 

- ou o jogador não tinha dupla nacionalidade no momento em que representou uma determinada selecção e fê-lo apenas em jogos não oficiais (amigáveis), podendo depois jogar pela selecção de outra nacionalidade entretanto adquirida (é este o caso de Diego Costa, por exemplo).

 

Não há qualquer dúvida de que Fernando não podia jogar por Portugal. Os regulamentos são taxativos e absolutamente claros. Quem pediu o esclarecimento da FIFA e em defesa de que interesses? Paulo Bento não esclareceu a questão em recente entrevista à RTP. E o assunto vai morrer como um não-assunto, sem se saberem a fundo quais as suas verdadeiras motivações e meandros.

 

O caso Fernando: a conjuntura da transnacionalidade

Maio 6, 2014

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