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Última actualização
15/05/2015
Fevereiro 17, 2015
É claro que ver o governo de Passos Coelho, comprometido com a obsessão austeritária que tomou de assalto a Europa nos últimos anos, na ressaca da crise das dívidas soberanas, alinhar com o posicionamento do novo governo grego seria imaginar um impensável casamento entre a social-democracia mais mercantilista e o esquerdismo radicalizado (e humanista) que lhe está nos antípodas. Aí, não haveria lugar a ilusões. Portugal cumpriu, com zelo obediente, o programa de assistência financeira dos últimos anos e, ainda que a custo de uma das crises sócio-financeiras mais onerosas da sua história, puxa desses galões e mostra-se à Europa com a fátua prosápia de um país "recuperado" e que avança ufanamente para a antecipação de amortizações da dívida aos parceiros da troika. A Alemanha gosta, a Europa consente e o mundo segue. Mas pensar que Portugal está a cobro de problemas maiores e que, mais do que isso, passará imune por uma eventual saída grega do Euro é um erro estratégico que pode custar muito caro. Num momento tão crítico para a Europa, marcar distâncias para a posição grega e contribuir para o isolamento de um estado-membro, é não perceber que as diferenças entre Portugal e Grécia são sobretudo de escala. A Grécia tem o monstro à sua frente, Portugal conseguiu apenas esquivar-se dele, mas não está a salvo.
A encruzilhada financeira em que a Grécia se pôs, multiplicando imparavelmente a sua dívida, criou uma clivagem com o resto da Europa que parece irremediável. Isolada pelo peso dessa dívida aparentemente incobrável e, agora, também pelo preconceito ideológico das potências dominantes, à Grécia resta uma de duas vias: ou alinha com a estratégia comum europeia e prossegue as políticas dos últimos anos que não tiraram o país do abismo financeiro, ou deserta do Euro. A primeira hipótese é liminarmente rejeitada pela equipa governativa de Tsipras. A segunda pode ser o início do fim do processo de integração europeia. É por isso que a escolha por qualquer dos caminhos da bifurcação estratégica grega é, também, um problema europeu, primeiro, e português, depois. Passos Coelho não quis perceber que uma eventual saída da Grécia do Euro arrastará Portugal. Um Estado-membro deixar a União é um cataclismo político-financeiro de tal ordem que fará disparar o cepticismo dos mercados quanto à viabilidade de todo o edifício da Europa unida. E esse fantasma da dúvida, assim que a Grécia renuncie, assombrará imediatamente Portugal, ou não fossemos nós aqueles com maiores problemas de dívida externa depois dos gregos. A escalada dos juros dos países em situação mais periclitante (Portugal, Espanha, Itália, por exemplo) seguir-se-á à saída grega e, com ela, o desabamento dos equilíbrios vacilantes conseguidos nos últimos anos. Passos Coelho e o seu governo, também o Presidente da República, não quiseram ainda perceber que a eventual exclusão da Grécia determinará, senão no imediato e sem outras medidas de emergência, a necessidade de um novo resgate para Portugal. Mais dívida e mais austeridade. É este ciclo vicioso que importa parar. E pará-lo implica evitar, até ao limite, a saída da Grécia.
Não ver que esta questão só pode ser um imperativo nacional é um erro estratégico gravíssimo de Portugal. O prurido ideológico não pode ultrapassar o interesse do país. Portugal e Grécia têm governos ideologicamente muito distantes, mas interesses comuns nestas matérias. A questão não é ideológica, já nem é puramente financeira. Não perceber que as ondas de contágio de uma deserção grega podem precipitar Portugal para o terrível ostracismo que agora impende sobre os gregos, não entender que podemos ser os seguintes da depuração financeira da zona Euro, é uma cegueira incomportável para o país.