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Furam-se olhos e amputam-se mãos, mas não se trata de qualquer sagração da barbárie, tampouco da banalização da brutalidade. A “ultra-violência” (como já muitos rotularam) de Refn apenas coloca o espectador num exercício testemunhal, o de olhar as impurezas da mente, de vê-las despidas de artifício e perceber que a purga é uma ilusão. “É hora de conhecer o Diabo”, diz-se algures no filme. E o Diabo não se dá a conhecer, mas está em todas as cenas, camuflado na impostura de cada personagem, nos escombros da moral estilhaçada. Only God Forgives é um acto de desesperança na humanidade e é tão explícito e áspero que pode chocar espíritos menos preparados, tanto para a forma algo entrópica do filme como para os seus ecos morais. Mas, no final, finge-se a indulgência de suprema ironia: nada aconteceu, fica o canto do carrasco. A moral podre pode respirar novamente. 

Agosto 16, 2013

O contacto com Only God Forgives, última película do dinamarquês Nicolas Winding Refn, coloca o espectador perante uma tese difícil de admitir, mas tão crua quanto real: a falência das visões maniqueístas do animal humano. Vivemos na era do ego e a sua sobreposição à moral é a derradeira degenerescência do ethos. Embora nos custe a aceitar, talvez por temermos olhar para dentro de nós, a evolução materialista do Homem é paga, aos poucos, com a perversão da integridade. E cada um de nós acolhe, hoje, essa indefinição de limites entre bem e mal e em que vale mais a fachada da reputação do que a essência. É esta encruzilhada existencial o epicentro da narrativa de Only God Forgives. O cenário é a noite opaca de Banguecoque, exibida num fantasioso jogo de sombras, luzes e cores intensas; o mote é o assassínio de Billy (Tom Burke), um caudilho sádico do submundo do crime e a deriva vingativa do seu irmão Julian (Ryan Gosling), um joguete sob a majestade humilhante da mãe matriarca (Kristin Scott Thomas). No outro flanco, a autoridade de Chang (Vithaya Pansringarm), o verdugo sanguinário de negro, ícone supremo da ambígua justiça local. 

 

No domínio da imagética, a narrativa tem qualquer coisa de estranhamente tantalizadora, mesmo com a violência que é exposta cruamente, sem moderação. As sequências são demoradas, dir-se-ia que intencionalmente lentas, quase a insinuarem freezes de figuração, que, afinal, convergem para a solidez de expressão de cada personagem. É engenhosa a integração dos ambientes sonoros, também eles inquietos e derivantes, a suportarem o intenso pendor dramático de cada cena. É disso mesmo que se trata, de construções dramáticas que partem da desconstrução de axiomas morais; a mise-en-scène quase sempre no escuro ou em vermelhos ofuscantes, os graves tortuosos da música, são mais do que acessórios. Tudo é denso, magnético e visceral.

 

 

 

Only God Forgivesod Fo

Só Deus Perdoa

 

7,2/10

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