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Nenhuma equipa é grande sem o suporte de uma matriz defensiva bem organizada. Além da mera composição individual, é importante começar a construir uma boa equipa a partir de uma boa defesa. E isto não se confunde com a preconização de uma ideia defensiva de jogo, pelo contrário. Antes assenta no princípio teórico de que para atacar bem - leia-se atacar com consistência e equilíbrio - é preciso saber defender melhor. Sem a conjugação deste binómio, não há harmonia táctica. Depois, dentro de cada um dos momentos do jogo (defesa, ataque) há particularidades sectoriais específicas e que devem ser trabalhadas sob os mesmos princípios de equilíbrio, dinâmica e percepção de tempo/espaço. Se tomarmos como exemplo o F.C. Porto, vinga no clube há alguns anos - talvez apenas pontualmente interrompido pelo arrojo tacticamente "desequilibrado" de Co Adriaanse - o princípio de que nenhuma equipa é vencedora sem assentar na solidez defensiva. Não é à toa que alguns símbolos internos do clube se situaram no sector defensivo (João Pinto, Fernando Couto, Branco, Jorge Costa, Pepe, Bruno Alves, entre outros). Porque a semente de uma grande equipa brota atrás. Independentemente das nuances tácticas introduzidas pelos diferentes treinadores, a filosofia portista radicou sempre na 

A construção da defesa antes da construção do colectivo

Outubro 28, 2013

estabilidade defensiva e foi sob esse princípio que, geração após geração, foram escolhidos a dedo, com alguns erros de casting pelo meio, os protagonistas individuais do sector defensivo. Mesmo olhando a equipa actual, além da dupla de centrais (Mangala, um dos melhores da Europa já neste momento, e Otamendi), a administração da SAD não se coíbiu de abrir os cordões à bolsa para recrutar Danilo e Alex Sandro, dois valores emergentes do futebol brasileiro e que vieram estabilizar o sector defensivo, não só pela cultura defensiva que ambos têm, mas por saberem completá-la com a acutilância ofensiva equilibrada.

 

Se centrarmos a análise na partida de ontem, com o Sporting, diria que os lisboetas perderam o jogo na defesa. Explicando melhor: a um desempenho globalmente competente, personalizado e, em certo sentido, surpreendente dado o pouco tempo de construção da equipa com Leonardo Jardim, foi na defesa que residiu o problema. E nem se tratou de um problema estratégico-posicional. Os princípios de Jardim estavam correctíssimos: bloco coeso, cobertura no campo todo, organização posicional, boa dinâmica de transição defensiva. Nada disso falhou, mas o Sporting sofreu três golos. Se não falhou nada no conceito, se colectivamente a equipa se manteve fiel ao preceituário táctico, as fendas no bloco foram individuais. Como escrevi atrás, há duas instâncias na arquitectura defensiva: o modelo teórico colectivo - e esse não estava errado - e a adequação dos jogadores ao modelo. Sem surpresa, foi neste segundo domínio que o Sporting perdeu o jogo de ontem, por lhe faltarem os protagonistas certos para as exigências de um embate com uma equipa mais madura e com mais qualidade como é a do Porto. Uma análise fina às circunstâncias de cada golo do Porto confirma isso mesmo. Vejamos. O lance da grande penalidade (indiscutível) é uma ingenuidade em dois níveis, de Maurício: primeiro, ao não perceber que, na grande área, o ímpeto de abordagem tem que ter menos intensidade e mais cobertura espacial; segundo, por não ter lido, naquele momento, que ao reagir com atraso à incursão de Alex Sandro, não podia insistir na tentativa de desarme. Erro de cálculo e erro de julgamento.

 

No golo de Danilo, a coisa não foi muito diferente. A zona entre Piris e Rojo não estava devidamente coberta - o argentino estava completamente desposicionado - e faltou intensidade defensiva sobre o drible do brasileiro.  Sem tirar mérito a Danilo, não pode escamotear-se a ligeireza do movimento defensivo do Sporting. 

 

O terceiro golo é mais do mesmo. Maurício dá liberdade a Jackson para cruzar, Rojo perde o lance no ar com Varela - novamente por estar mal colocado - e Cedric chega tarde na pressão sobre Lucho, vindo de trás. Uma defesa demasiado macia a não conseguir opôr-se a um movimento ofensivo a fazer lembrar o futebol de praia. 

 

Três evidências claras de que uma coisa é o modelo teórico, outra é a transposição prática do modelo. Sem querer fulanizar estas questões, ontem o Sporting perdeu porque, apesar de sapiência táctica do seu treinador, não teve protagonistas à altura, em todo o tempo de jogo, das exigências competitivas do jogo. Fica a ideia de que, no processo construtivo da grande equipa que o Sporting quer vir a ser, estão lançadas as bases teóricas e estão assimilados grande parte dos processos de dinâmica colectiva. Mas também ficaram visíveis as insuficiências individuais. O que nem se deve estranhar, sobretudo num momento de desinvestimento do clube.

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